A Iatrofilosofia designa o ramo dos conhecimento/saberes da Filosofia (não apenas dos domínios da Epistemologia) aplicados à Medicina. Tem por objecto os estudos e análises dos conceitos e práticas médicas, quer em geral quer em particular, bem como a investigação de todos os problemas filosóficos que surgem a partir das práticas medicas, desde logo, enquadramentos Éticos, Axiológicos, Morais e Deontológicos.Neste sentido, todos os ramos dentro da própria Filosofia possuem uma aplicação e domínio no contexto médico. Ou seja, existe uma Iatro-Hermenêutica, uma Iatro-Ontologia, uma Iatro-Gnoseologia, uma Iatro-Ética, etc.

 

 

Sinais Vitais

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

 

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"


 A pele humana separa o mundo em dois espaços.

 Lado cor, lado dor

 Paul Valèry, Maus Pensamentos e Outros

  A maior parte do corpo fala apenas para sofrer.

Qualquer órgão que se dá a sentir é já suspeito de desordem.

Feliz silêncio das máquinas que funcionam bem 

Paul Valéry, Cahiers I

Sócrates, segundo Platão, não prescrevia medicamento algum para a dor de cabeça de Cármides antes de este ter sossegado o seu espírito agitado; o corpo e a alma devem ser cuidados ao mesmo tempo, como a cabeça e os olhos.

Robert Burton (citado por Oliver Sacks)

 Destinatários

Profissionais das áreas da Saúde, Médicos (das diversas áreas de Especialidade), Terapeutas (incluindo das Terapias Não Convencionais), Profissionais dos cuidados de saúde primários ou dos cuidados continuados e paliativos, enfermeiros, profissões ligadas às tecnologias da saúde, assistentes sociais, psicólogos e demais técnicos.

Objectivos

 O fenómeno da dor é, sem dúvida, das sensações mais generalizadas do género humano. Tal não quer dizer que seja das realidades corporais melhor conhecidas, bem antes pelo contrário. Já na «experiência grega (clássica)  do mundo», tal como para famosos médicos da Grécia antiga, tratar o corpo pela medicina era indissociável da prática, simultânea, de terapias da alma. Apesar das dores físicas serem usualmente reportadas a localizações corporais e anatómicas específicas, numa relação orgânica de causa-efeito, modeladas pela intensidade, volume, duração, etc, contudo, as dimensões subjectivas da dor, de ordem individual e privada exigem outra cartografia, desde logo, para a própria exigência de diagnóstico e terapia. Se tal é válido para as ‘dores de corpo’, consciência da (nossa) corporeidade, mais o é para as ‘dores de Alma’, de profundidade maior e fontes, normalmente, mais recônditas e holísticas. Por outro lado, como pensar ou comunicar  o que é da ordem da ‘pura sensação’? Mais ainda: Como traduzir em palavras (objectivas), passíveis de serem clinicamente enquadráveis, tendo em vista a(s) terapia(s) a aplicar, o que é da ordem, paradoxal, da subjectividade sensorial humana? Qual a hermenêutica (e grelha interpretativa) passível de compreender e interpretar o que, em termos corporais, se manifesta, maioritária e naturalmente, de forma local, em partes, assim sendo expresso pelo próprio Paciente? Não terá de ser percebido holisticamente, para além do ‘mero’ exercício científico e técnico (clínico)? Sem dúvida, só a multidisciplinaridade poderá aceder a esse(s) universo(s), perceptivo e representativo, holisticamente encarado, para além de uma qualquer manifestação casuística e pontual, cada uma delas contribuindo com os seus olhares e conhecimentos para uma visão alargada (humanista) do Paciente. Ora, este Seminário Avançado (Intensivo) pretende isso mesmo: Apresentar e problematizar esta(s) outro(s) mapeamento(s) da(s) Dor(es), redimensionando esta fenomenologia (='discurso sobre o que se manifesta') da «experiência da dor» no quadro do paradigma da «teoria, técnica e prática» clínicas, de Oriente a Ocidente.

Tópicos Programáticos


Introdução: Fenomenologia e Experiência da Dor: Porquê?

1.Do sentir: Subjectividade do Corpo (σόμα, sóma) em Dor/ da Alma (Ψυχή, Psychē) em Dor

2. A Dor e suas Metáforas: Da ‘Dor-dor’ à ‘Dor-prazer’ (o exemplo do sadomasoquismo)

3. Dor Mimética (‘dor da carne’) vs Dor virtual/dor simpáthica (‘sentir’ as dores do Avatar)

4. O Pathos (παθός): Metamorfoses da Dor

5. As construções sociais da Dor e Antropologia da Dor

6. Dor e usos sociais: Indivíduo, dores, iniciação e ‘Abertura ao Mundo’

7. Como ‘comunicar’ o ‘incomunicável’?

Conclusão

Bibliografia básica


AA.VV. Stanford Encyclopedia of Philosophy («Pain»)

AA.VV. Revistas Dor (Órgão de Expressão Oficial da APED)

Aristóteles (2004), Ética a Nicómaco, Lisboa: Quetzal Editores

Bataille, Georges (1994), A mutilação sacrificial e a orelha cortada de Van Gogh, Lisboa: Hiena Editora

Borel, Frances (1992), Le Vêtement Incarné: Les Métamorphoses du Corps, Paris: Calmann-Lévy

Bourke, Joanna (1999), The Story of Pain: From Prayer to Painkiller, Oxford: Oxford Press (Kindle Edition)

Breton, David Le (1995), Compreender a Dor: Um estudo sobre a relação do Homem com a dor física em diversos tempos e em diversas culturas, Cruz Quebrada: Estrela Polar

Cervero, Fernando (2012), Understanding Pain: Exploring the Perception of Pain, NY: MIT Press (Kindle Edition)

Damásio, António (2000), O Sentimento de Si: O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência, 8ª edição, Lisboa: Publicações Europa-América [sobretudo, pp. 93-101, 98, 181-183 e 359]

Damásio, António (1994), O Erro de Descartes: Emoção, Razão e Cérebro Humano, Lisboa: Publlicações Europa-América [sobretudo, pp. 259-271]

Deleuze, Gilles (1973), Sade/Masoch, Lisboa: Assírio e Alvim

Descartes, R., (1976), Meditações sobre a Filosofia Primeira, introdução, tradução e notas pelo prof. Gustavo de Fraga, Lisboa, Livraria Almedina, 1976 (Primeira Meditação ("Em que são demostradas a existência de Deus e a distinção da alma e do corpo", pp, 105-115); Segunda Meditação ("Da natureza do espírito humano. Que se conhece melhor do que o corpo", pp. 117-133; e Sexta Meditação ("Da existência das coisas materiais e da distinção real entre a alma e o corpo", pp. 197-225))

Dias, Isabel Matos (1989), Elogio do sensível: Corpo e reflexão em Merleau-Ponty, Lisboa, Litoral (sobretudo, cap. IV: "O corpo como mediador da reflexão", pp. 97-132; cap. V: "A reflexão e o sensível: A reabilitação do sensível", pp. 161-200; e cap VII (parte 1.): "Dos modelos à matriz da reflexão", pp. 201-216)

Dick, Philip (2006), O andróide e o humano, Lisboa: Nova Vega [sobretudo: «O Andróide e o Humano»: 30-75; e «Homem, Andróide e Máquina»: 77-115]

Gadamer, Hans-Georg (2009), O Mistério da Saúde: O Cuidado da Saúde e a Arte da Medicina, Lisboa: Edições 70

Gil, José (1997), As Metamorfoses do Corpo, 2ª edição, Lisboa: Relógio d’Água [sobretudo: «O significante flutuante»:16-32; «A elaboração do corpo da Ciência»: 130-147; e «O interior do corpo»: 215-222]

Gil, José (1994), Monstros, Lisboa: Quetzal [sobretudo: «De uma certa história da união da alma e do corpo»: 89-106

Goff, Jacques le (1985), As doenças têm história. Lisboa: Terramar

IASP-International Association for the Study of Pain

Jaspers, Karl (1998), O Médico na Era da Técnica, Lisboa: Edições 70 [sobretudo: A ideia de Médico»: 7-18; «Médico e Paciente»: 19-37; e «O Médico na Era da Técnica»: 39-57]

Leenhardt, Maurice (1976), Do Kamo: La personne et le mythe dans le monde mélanésien, Paris, Gallimard  (sobretudo os capítulos II ("La notion du corps", pp. 54-70); V ("Vie affective et toémisme", pp. 120-138); e XI ("Structure de la personne dans le monde mélanésien", pp. 248-271)

Merleau-Ponty, Maurice (1945), Phénoménologie de la perception, Paris, Gallimard (trad. brasileira, São Paulo, Martins Fontes, 1994) (sobretudo a Primeira parte: "Le corps", pp. 81-232; na trad. brasileira, pp. 111-270)

Merleau-Ponty, Maurice (1997), O Olho e o Espírito, Lisboa: Vega

Montaigne (1969), Essais, Paris:Garnier-Flammarion

Platão, Filebo (e outras obras a referir)

Sacks, Oliver (2013), Enxaqueca: Lisboa: Relógio d'Água

Sacks, Oliver (1985), O homem que confundiu a mulher com um chapéu, Lisboa: Relógio d’Água

Scary, Elaine (1985), The Body in Pain: The Making and Unmaking of the World, New York, Oxford: Oxford University Press (sobretudo: Part Two: «Making»)

Schwob, Marc (1994), A dor, Lisboa: Instituto Piaget

Sontag, Susan (2009), A Doença como Metáfora/A Sida e as suas Metáforas, Lisboa: Quetzal

Teixeira, Luis Filipe B. (2012), "Prolegómenos a uma fenomenologia da genialidade: Em torno da melancholia saturnina", in «Prefácio» a Ermelinda Maria Araújo Ferreira e Maria do Carmo Nino (orgs) Literatura e Medicina, Recife: Ed. Universitária/UFPE: 17-30

Teixeira, Luis Filipe B. (2009), Fernando Pessoa e a Filosofia Sanatorial: De «A Montanha Mágica» (T. Man) para «Na Casa de Saude de Cascaes» (ou vice-versa), passando por Caxias..., Lisboa: Nova Vega

Tucherman, Ieda (1999), Breve história do corpo e de seus monstros, Lisboa: Vega

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